Lingua da epiglote

A canção fantasma

Acorda,
Sacode sonhos do teu cabelo,
Minha bonita criança, meu doce
Escolhe o dia
E escolhe o signo do teu dia
A divindade do dia
Primeira coisa que vês

Uma vasta praia radiante
e a serena lua de jóias

Casais numa corrida nua
na sua baixa calmia
E nós rimos como crianças suaves e loucas
nos cérebros de algodão da infância

Música e vozes á nossa volta

Escolhem o seu lamentar, os anciões
Voltou a chegar a hora
Escolhem agora o seu lamentar ao luar
Junto a um lago remoto

Entra novamente na doce floresta
Entra no sonho ardente, vem connosco
Tudo partido, dança

Indios dispersos
na estrada de madrugada sangrenta
fantasmas assombram crianças
frágeis mentes

Interiorizámos este louco antigo teatro
Para propagar a nossa paixão pela vida
E sentir a sabedoria das ruas

Os celeiros invadidos
as janelas conservadas
E apenas um entre todos os outros
para dançar e nos salvar
do escárnio divino das palavras

Música inflama o temperamento

Oh grande criador do ser
Dai-nos mais uma hora para executar a nossa arte
e aperfeiçoar as nossas vidas

precisamos de grandes cópulas douradas

quando os assassinos dos verdadeiros reis
são autorizados a circular livremente
mil magos surgem na terra
onde está o banquete prometido?


The ghost Song
Jim Morrison


Acho que tudo começou com as primeiras traduções de algumas das minhas músicas predilectas, ainda na adolescência quando tudo parecia complexo e inalcançavel.
Mesmo aquelas com muito a dizer, e, aparentemente densas, se tornavam repentinamente em simples figuras geométricas, com menos beleza

"soa tão estranho quando traduzes!"

E era deveras estranho pensar no tipo de coisas que tanto gostava ao passá-las para a minha lingua.
Mas na altura tomei isso como uma mais valia, de repente parecia que tudo aquilo que escrevesse em inglês tinha uma forma instantanea mais acabada e completa, fazia mais sentido de uma maneira mais imediata.
Na altura achei que isso era uma mais valia, num mundo onde a maior parte dos conteudos produzidos e espalhados para todos os seres humanos parece ser feito em ingles.

Mas agora não
Agora sufoca

Não parece uma mais valia, parece uma mais castria (e perdoem-me a mania de inventar expressões).

Porque sou portuguesa
E não me matem a saudade, porque sou portuguesa
E não me tirem a razão de viver porque espero o que posso nunca poder

E cortam-me as pernas
Arrastam-me os braços
Enevoam-me os olhos
E não me deixem deixar de o ser pois enchem-me os ouvidos
Repelem-me o ser´

Sou assim, falo assim, sinto assim

Uma mesa é uma mesa, uma table é uma representação de uma mesa
A palavra é para mim o que representa, r nã representa aquilo que é
Mesa para mim é uma mesa e não uma representação dela
Está-me entranhada, está-me esculpida
representação é um conjunto de outras letras t -b- l -a -e

E espartando rabiscos, rasgando entranhas tudo se torna tão fácil,
tudo parece tão simples, plastificado, erradicado.

E quando não se dá o tempo não saem as palavras. Sabem bem as palavras sentidas na boca. Sabe bem

MUNDO

o mundo entre os lábios
em mim
nas palavras
P_A_L_A_V_R_A_S

porque já não sei escrever nem ler
ou então nunca soube

6 comentários: